Uma criança doutrinada e militante sendo derrotada nos argumentos
A polêmica personagem Gabi protagoniza o capítulo 11 da quarta temporada de SNK. Suas ações, seu drama pessoal, sua visão político-ideológica são bem destacadas no episódio, embora existam algumas subtramas interessantes. Ela se vê não apenas como uma prisioneira de guerra, mas como uma vítima dos "demônios da ilha", os quais considera cruéis e impiedosos. O menino Falco, o "o outro lado da moeda" da dupla ou possível futuro casal (essa situação lembra a relação de Mikasa com Eren), tenta acalmá-la, lhe lançando conselhos sensatos, porém pouquíssimos úteis, para alguém que se sente aprisionada num tipo de inferno, pois é assim que enxerga Paradis, para ela habitada por seres infernais que merecem ser destruídos numa guerra santa.
Numa ação desesperada, a garota-soldado ataca um guarda da prisão com um tijolo (parece que o mata), para que ela e seu infeliz cúmplice fujam. Eles escapam sem um plano definido. Em fuga dentro da nação inimiga, ambos só conhecem o Zeke, que ela considera um traidor. Até fala em ir procurá-lo para "conversar" (seria só isso?). O garoto repara que ela ainda usa uma braçadeira dos eldianos de Marley, e diz para tirá-la, explicando o motivo para a jogar fora. Gabi se recusa, e faz isso por considerar que o tal pedaço de pano a diferencia dos inimigos, que são da etnia dela, pois se considera uma "boa eldiana". Os dois brigam e discutem perto de um rio, até que são vistos por uma misteriosa menina, que surge entre umas árvores próximas, e começa a conversar com eles.
Durante a conversa, a eldiana pró-marley faz o gesto de tocar numa pedra, sugerindo que poderia usá-la para agredir a interlocutora, mas o diálogo progride bem, e a garota os convida para irem até a casa dela. Falco diz para a família que os recebem, que ambos são irmãos que fugiram de casa (inventa nomes falsos), e pede abrigo por alguns dias, e acabam sendo bem-recebidos.
Mas para a Gabi, tudo parece difícil. Comer a comida feita pelos "demônios", dividir a mesma mesa, respirar do mesmo ar, essas simples questões lhes são custosas, para alguém que se considera muito corajosa e inteligente. Repele um gesto carinhoso da anfitriã e dona da casa de forma agressiva, e prova a comida do seu prato como se a mesma tivesse veneno. Seu nervosismo é indisfarçável, o que chama a atenção de todos ao redor.
O lugar em que os dois estão é um orfanato rural. Todas as crianças ali abrigadas, perderam os pais em ataques dos titãs irracionais. Em certa ocasião (não foi especificado quantos dias se passaram desde que chegaram), a soldada-mirim é "atacada" por um cavalo no curral que limpavam. A cena é tragicômica, o animal parece que zoa com ela, mordendo sua cabeça e fazendo com que caia num chão enlameado e sujo de ... imundícies dos equinos. Até um balde cai nela, pura comédia pastelão para agradar o público que a detesta, o que aliás só aumenta sua insatisfação. Enquanto ele diz que devem esperar pelos exércitos que, acreditam eles, atacarão em breve Paradis, ela novamente cita Zeke, insinuando que algo precisa ser feito contra o mesmo. Em meio disso, a garota que os encontrou, cujo nome é Kaya, os chama para almoçar, que aliás, é a mesma que anos antes, foi salva por Sasha (pois é, vejam a ironia), de ser morta por um titã, ocasião em que perdeu a mãe.
Durante o que no início parece ser uma conversa tranquila, Gabi não consegue mais ocultar seu lado de "militante radical doutrinada", e começa a dizer ofensas contra os moradores da ilha, a cantilena dos "pecados passados", a ponto de ofender os falecidos pais dos órfãos. Kaya não aguenta tanta baboseira, e revela que sabe que eles são de Marley, pois reconheceu seus sotaques. Após um breve descontrole daquela que é na prática, uma criança chata e mal-educada (chega a pegar um forcado para atacar a outra, no que é detida por Falco), a paciente interlocutora os convida para conhecer o vilarejo em que morava, bem próximo dali.
Em meio ao mato crescente, lixo e ruínas do que foi cheio de vida humana, Kaya conta o seu drama pessoal, citando que uns quatro anos antes, os titãs chegaram e todos os moradores fugiram, deixando ela e a mãe (que tinha dificuldades pra andar, e acabou morrendo) para trás. Ao falar da existência da civilização que existe além das muralhas, pergunta para eles o motivo dos que são de fora os odiarem tanto. E pergunta: "Mia. Ben. Me digam. O que foi que minha mãe fez? O que ela fez para ser tão odiada?"
Gabi simplesmente não suporta perguntas tão simples e aparentemente insensatas (do ponto-de-vista dela), e responde aos gritos, iniciando na prática, um debate filosófico cuja conclusão é bem sensata, e faz muita falta na atualidade. Faço questão de o reproduzir, frase por frase:
(Gabi) "Porque milhares de anos atrás, vocês massacraram pessoas de todo o mundo!" (esqueceu que também é eldiana).
(Kaya) "Milhares de anos atrás?" (a pergunta dela serve para destacar a absurda resposta da outra).
(Gabi) "Como vocês se esqueceram disso? Os eldianos, por milhares de anos, controlaram o mundo e as pessoas usando o poder dos titãs." (tal como os marleyanos depois, né?). "Roubaram a cultura de outros povos!" (o ridículo conceito da "apropriação cultural"). "Forçaram as pessoas a terem filhos que não queriam!" (lembrei de Ymir e suas três filhas). "Mataram um número incontável de pessoas! Para de se fazer de vítima!" (apelou para argumento lacrador no final).
(Kaya) "Mas minha mãe nasceu e foi criada nessa área. Acho que ela não sabia dessas maldades!" (comentário sensato que a Gabi não entende).
(Gabi) "Por isso ... o problema é o tamanho do pecado que seus ancestrais cometeram cem anos atrás!" (ela insiste em problematizar os erros dos ancestrais, os estendendo para os descendentes).
(Kaya) "Cem anos atrás? Então, que pecado, que nós, que estamos vivos agora, cometemos?" (a garota arrasa na lógica).
(Gabi) "Há pouco tempo atrás, vocês destruíram minha cidade." (é sério, mas ao dizer "vocês", ela tenta responsabilizar Kaya e os demais órfãos pela batalha de Liberio).
(Kaya) "Minha mãe foi morta há quatro anos. Esse pecado não é dela." (ela repete o óbvio, para uma menina doutrinada que se recusa a entender).
(Gabi) "Eu já disse! Seus ancestrais mataram pessoas de todo o mundo-" (o mesmo argumento repetitivo, que é bruscamente interrompido, por quem não aguenta mais tanta fala de noção).
(kaya) "Minha mãe matou ninguém! Hein, Mia, me responde direito! Por que minha mãe teve que morrer, sofrendo tanto? Deve ter algum motivo! Se não tiver, isso é estranho! Por que minha mãe foi comida viva? Então? Por que ela foi morta? Então? Por quê?" (Gabi fica chocada, pois bem na frente dela, existe uma criança que sofreu e ainda sofre, por pecados que não cometeu).
Como disse antes, esse é o tipo de debate que faz falta em nossa sociedade atualmente. O branquelo que aqui escreve, assim como qualquer outro branco que ler este artigo, não pode se sentir culpado por erros que brancos de um passado distante cometeram, como a escravidão. Isso é injusto e ilógico, mas para lacradores de plantão, lotados de um discurso "progressista", caras como eu precisam apoiar uma tal "reparação histórica", que ninguém sabe o quanto deve custar. No caso da fictícia Paradis, Gabi nem saberia explicar até qual geração os eldianos deveriam ser castigados por causa dos seus ancestrais pecadores, como forma de "reparação". A lavagem cerebral que sofreu desde a tenra infância foi tão eficiente, que demorou para ela entender que Kayla e a mãe dela jamais foram algozes, mas meras vítimas de uma guerra que não provocaram.
Encerrando o artigo, as subtramas do capítulo são interessantes, como a evidente ascensão do yagerismo (os futuros seguidores de Eren já vão pondo as asas de fora, para o incômodo de Hange). Mais uma coisa: o episódio se chama MENTIRAS. Interessante, não é?
POSTAGEM RECOMENDADA:SHINGEKI NO KYOJIN (ATTACK ON TITAN): REINER BRAUN E SUA VISÃO DE LIBERDADE
MARCADORES: MANGÁ / ANIME SHINGEKI NO KYOJIN, ATTACK ON TITÃ, TITÃ DE ATAQUE, QUARTA E ÚLTIMA TEMPORADA DO ANIME, EPISÓDIO 11, MENTIRAS, GABI BRAUN, DEBATE, PECADOS DOS ANCESTRAIS, CULPA DOS ELDIANOS, DOUTRINAÇÃO IDEOLÓGICA, FEVEREIRO, 2021