sexta-feira, 15 de abril de 2022

OLHANDO PARA A LUA, NUMA QUINTA-FEIRA DE PÁSCOA EM PERUÍBE (CONTO) - ABRIL DE 2022





Era uma bela noite em Peruíbe, quinta-feira de páscoa. Cerca de dois milênios antes, Jesus e seus discípulos celebraram a célebre última ceia, ocasião em que ele lavou os pés dos mesmos. Enquanto admirava a lua do quintal de casa, ele pensou nisso, e em algo que tanto o afligiu em tempos mais recentes.

Uns dois meses antes, tinha finalmente deixado de ser desempregado, numa cidade lotada de gente sem trabalho, superando uma condição que o fazia ser discriminado pelos próprios parentes. A fase inicial da pandemia o botou nessa situação, pois o então patrão não aguentou o primeiro lockdown e demitiu quase todo o quadro de funcionários, com a loja física se tornando virtual. Escutou a promessa de que "quando a situação melhorasse, seria contratado de volta", mas não acreditou. E em casa, não faltaram dificuldades, sendo ele o único maior de idade numa família de quatro irmãos, mãe faxineira e pai aposentado por invalidez, todos morando numa rua do Caraguava, famosa por ficar severamente inundada durante as enchentes.

Cada real que recebia do auxilio emergencial era muito bem gasto pela mãe, a qual perdera várias "faxinas", pois algumas das patroas eram comerciantes, que precisaram cortar gastos, passando a limpar as próprias casas. Aquelas seis pessoas passaram por um longo período de aperto e humilhações. A aposentadoria do pai tornou-se a principal renda familiar, porém insuficiente, e até de cesta básica doada, ele precisou ir atrás. Foi o fundo do poço, literalmente.

Certo dia, uma ex-colega de escola - cuja mãe fabricava e vendia máscaras - lhe contou um sonho que teve, no qual viu uma Peruíbe renovada e melhorada. Para ele, a mina tinha tido um baita delírio onírico, considerando a situação quase que distópica que todos, em diferentes graus de dificuldade, enfrentavam. Arrumar as malas e migrar tornou-se uma tentação quase que diária, mas o problema era pra onde ir, e ainda tinha uma questão de como ficaria a família sem ele, pois conseguia alguns bicos.

Os feriados religiosos mais importantes o apoquentavam, dada a falta de recursos para comemorações. Por dois anos seguidos, seus irmãos não ganharam presentes de natal (e aniversário), e tiveram de dividir pequenos ovos de chocolate, todos doados. E nessas datas, ainda ouvia críticas, por "não arrumar trabalho". Pois é.

"Eu tenho culpa de estar sem emprego?", perguntava para si mesmo. "Quando trabalhava todo dia, ninguém me elogiava, agora isso!", desabafava em pensamentos. Entendia as preocupações dos pais, mas esperava que os mesmos entendessem as limitações dele, mas como nada isso ocorria, as relações familiares tinham momentos de tensão, com discussões inúteis que não punham comida na mesa, pagavam as contas e abasteciam a geladeira. E ainda precisaram enfrentar uma enchente que lhes deu muitos prejuízos.

Mas até o sofrimento, por pior que seja, tem a sua finitude. Mesmo com a temporada de verão (a terceira, desde o início da pandemia), sendo fraca, o rapaz conseguiu se empregar num supermercado (como trabalhador terceirizado), deixando de ser um pária social, na terra dos convencidos. E quando um certo cara, tratado como vilão em diversos telejornais, e chamado por um professor comunista do bairro de "genocida", disse no início de abril que o governo federal planejava rebaixar o status da pandemia de covid-19 para endemia, compreendeu que até o "novo normal" logo ficaria para trás.

E na tarde daquela quinta, voltou para o lar levando uma sacola, a qual continha três ovos de páscoa, que qualquer criança consideraria grandes. "Chega de miséria!", pensou. Foi ele que pagou, ninguém tinha algo com isso, os comprou para os irmãos (dois meninos e uma caçula), menos para os pais, que não gostavam de chocolate. E tratou de os esconder deles, para só presenteá-los no domingo.

E então, enquanto olhava a lua naquela tranquila noite, após pensar em Jesus, nos sofrimentos dele e nos dele mesmo(do que tinha passado até ali), se lembrou da ex-colega de escola e seu sonho. Seria possível que a "terra da eterna juventude" progrediria tanto? A própria moça não ficou esperando pra ver isso, tinha se mudado para Pinhais, no paraná, embora lhe tinha dito que pretendia voltar, pois tinha a certeza de que o lugar em que nasceu alcançaria um novo patamar de desenvolvimento, ou seja, optou por um "exílio" provisório (tal como tantos outros peruibanos antes dela), e que lá longe, espera pela oportunidade de voltar.

E o rapaz do supermercado foi dormir cedo, pois iria trabalhar durante a sexta-feira santa. Estava empregado e aliviado, era isso que mais lhe importava.






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