sábado, 22 de agosto de 2020

NUMA FRIA NOITE INVERNAL, O CURIOSO SONHO DE UMA PERUIBENSE (CONTO) - AGOSTO DE 2020




Para ela, aquela sexta-feira foi a noite mais fria do ano em Peruíbe. De manhã, escutou o boato de que teria nevado em Barra do Turvo, lá no outro extremo do Vale do Ribeira, mas alguém lhe disse que não se tratava de neve, era "apenas" chuva congelada. Imaginou isso na própria cidade, um lugar com verões tórridos, e um povo acostumado ao calor. Aí que quase ninguém, nesses tempos de pandemia, sairia de casa. E mesmo sem esse clima estremo, o dia foi bem gelado.

Já tinha se acostumado com aquela rotina sem aulas presenciais na escola, da qual sentia muita falta, pois estava no ensino médio, e pretendia ir para a faculdade. Felizmente, num aniversário, ganhou um celular, muito útil para as aulas remotas com os professores. O computador foi vendido, para pagar contas urgentes, e o auxílio emergencial tornou-se fundamental para o apertado sustento diário de todos. A internet só não foi cortada por causa dos estudos dela e dos dois irmãos.

Dias antes, o pai foi para São Paulo, onde conseguiu um bico numa obra que tinha sido retomada. A mãe passou a costurar máscaras com uma vizinha, enquanto ela cuidava da casa. Sem dúvida, a pior fase do "novo normal" passou, mas as preocupações dela não. Quando voltaria a estudar? Como tudo aquilo afetaria o seu futuro? E como seria esse futuro?

Quando a temperatura caiu para uns 8°, resolveu ir dormir. Antes de se deitar, conversou online com uma amiga e ex-vizinha que se mudou para o sul, de mala e cuia, e com toda a família. Disse que estava com saudades, mas sabia que não tinha condições de voltar. Falou da scooter que comprou, para ir de casa até o local de trabalho. Estava numa melhor situação de quando partiu, e a simples ideia de retorno demonstrou ser um despropósito.

Enfim, adormeceu, e teve um sonho inusitado, diferente de qualquer outro. Inesperado e necessário, que lhe deu esperança, e minimizou suas preocupações.

Ela estava no centro da cidade, durante um entardecer frio e uma chuva intermitente. Bebia um milk-shake embaixo do toldo de um fast food, cujo o nome desconhecia. A área do chamado calçadão e da Praça Matriz estava bem diferente. Pessoas caminhavam sem máscaras (obviamente, a pandemia já tinha acabado), e estavam melhor vestidas que o normal. Uma bonita loja de artigos chiques se destacava. Viu garotas com bonitos guarda-chuvas transparentes, carros novos, sendo alguns de marcas desconhecidas, e percebeu que estava mais velha. Não usava um dos seus surrados moletons habituais, mas roupas mais caras do que as que podia comprar. Fato mais estranho: escutava música, usando um fone de ouvido que parecia com uns daqueles walkmans mais antigos, talvez um novo modismo.

Compreendeu que se tratava de um sonho, que ocorria num inverno futuro de sua cidade tão problemática, e participava dele como se fosse uma espectadora de si mesma. Sabia que aquele dia também era uma sexta, e tinha saído do trabalho um pouco antes (mas ignorava onde era o emprego e o que fazia), e aguardava alguém, embora não soubesse quem. E logo viu umas moças se aproximando.

Percebeu que quase todas eram (ou foram, considerando a "linha do tempo") suas colegas de escola, também mais velhas, e recém-saídas de seus próprios locais de trabalho. Entendeu que tinham marcado um happy hour num café próximo, e as acompanhou. Mas o que estava acontecendo? Estava mesmo interagindo com o futuro próximo? Se tinha um emprego, que lhe permitia conversar despreocupadamente, antes de ir pra casa, então muitas dificuldades tinham sido superadas. No mundo real, nem tinha grana para comprar frutas na feira, e possuía uns 17 anos. Tentou usar o celular para ver o calendário, e assim saber em qual ano estava, mas nada conseguia controlar, era uma passageira no próprio corpo, numa versão futurista e melhorada de Peruíbe. E aí, percebeu algo ainda mais surpreendente.

Uma das amigas era a tal ex-vizinha, que vários meses antes migrou pro sul, e com a qual conversou antes de dormir. Naquele futuro onírico, estava lá, ou seja, tinha retornado. A cidade progrediu tanto assim, para que valesse a pena voltar? Tantas perguntas sem respostas, o quanto existia de realidade e fantasia ali?

Quando o alegre momento de diversão se encerrou, a sonhadora e a ex-vizinha (que voltou a se ser vizinha?), foram até o ponto para embarcar no próximo ônibus. Até o veículo em que entraram era diferente, mais moderno, e usou um aplicativo do próprio celular, para pagar a passagem. No caminho de volta, olhou uma paisagem mudada, com construções novas, e no bairro em que morava, ruas asfaltadas e sem buracos. De fato, um sonho inusitado. Quando chegaram, percebeu que a amiga voltou a ser sua vizinha, pois entrou na casa em que a viu morar durante anos. Ela foi até a dela, e percebeu que a mesma tinha sido reformada, e estava bem melhor cuidada. Mas antes de entrar (chegou a escutar os pais conversando na sala), acabou acordando.

Achou a experiência maravilhosa. Sim, tudo podia ser um baita delírio ... ou não. As sementes do otimismo quanto ao próprio destino tinham sido plantadas. Só lamentou não ter visto mais. Desejou ter encontrado o irmão universitário da ex-vizinha (vizinha de novo no sonho!), pois ficou triste quando ele partiu, e nunca lhe falou sobre seus sentimentos, mas quem sabe, mais adiante, os dois poderiam novamente se aproximar. E uma Peruíbe melhor deixou de lhe parecer uma impossibilidade.






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MARCADORES: PROBLEMAS DE PERUÍBE, FUTURO DE PERUÍBE, SONHO, FANTASIA, FICÇÃO, REALIDADE, INVERNO, FRIO, NOITE GELADA, PERUIBENSES, AGOSTO, 2020

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