domingo, 13 de novembro de 2022

A VITÓRIA (E A FUTURA DERROTA) DOS BÁRBAROS (CONTO) - NOVEMBRO DE 2022




Aquele era o segundo domingo após a eleição, e enquanto assistiam ao belo entardecer, sentados em frente de casa, pai e filho voltaram a falar do mesmo assunto, o famoso assunto que prosseguia polemizando as conversas de milhões, dentro e fora das redes sociais. Após abrir uma coca-cola zero, o progenitor disse ao rapaz das entregas, algo que escutou nos tempos de escola:

"Em 1988, passei a ter aulas com um professor muito cético para com o futuro do país. Ele tinha participado do movimento das diretas e estava detestando o governo da época. Mas o interessante é que ele não era propriamente um esquerdista. O cara estava mais para o que hoje chamam de anarco-capitalista. Ele simplesmente não acreditava em política, simples assim."

"E no que ele acreditava, então?", perguntou o filho, o qual tinha ouvido falar um pouco sobre anarcocapitalismo num vídeo de um youtuber ali mesmo de Curitiba.

"Ele dizia que só queria saber dele mesmo e da família, que pretendia comprar um sítio, cultivar a terra e se isolar ao máximo do mundo, principalmente dos problemas coletivos, que considerava insolúveis. Na opinião dele, só dava pra resolver questões individuais, no esquema do faça você mesmo. Foi o sujeito mais individualista que já vi, mas não no sentido negativo."

"E o que aconteceu com ele? Comprou um sítio ou ficou só na ideia? Pra lembrar desse cara, deve ter sido um ótimo professor, mas essa coisa das pessoas falarem que vão fazer grandes mudanças na vida e não saírem da teoria é comum. Você fez o que queria fazer, dizia que queria se mudar para cá, e veio mesmo. E aí? E ele?"

"Cumpriu o que dizia. Em 1990, pouco antes daquele rolo do confisco da poupança, ele comprou um sítio em Barra do Turvo, e foi trabalhar numa escola rural. Teve sorte, pois se demorasse um pouco mais, teria tido o dinheiro preso. Se mudou de Peruíbe com a mulher e os dois filhos, e fez este peruibense pobre e periférico pensar no motivo de alguém tão inteligente e instruído fazer essa escolha. O lugar era a mais pobre cidade paulista daquela época, mas foi com mala e cuia, que nem pioneiro de faroeste. Soube que ele já morreu, mas os filhos continuam a morar lá, e vivem daquele negócio de Agrofloresta. Cheguei a arrumar o carro de um deles na oficina."

"Caramba, se reencontraram aqui!", disse o filho. "Vocês estudaram juntos?"

"Sim, me recordo que eram dois garotos legais, e agora vendem os hortifrútis que produzem numa feira de produtos orgânicos que tem lá no centro. E lembram um pouco o professor, ambos também não querem saber de política, embora tenham votado no segundo turno da eleição, e nem preciso dizer em quem, tá ok? Até ele teria votado nele, disso não tenho dúvida."

"Mesmo sendo um anarco-capitalista sem saber? Você disse que ele não acreditava nisso."

"Olha, certa vez numa aula ele disse uma frase, a de que 'o maior inimigo da pobreza é a liberdade'. Era só isso que queria, mais nada, se sentir livre. Correu atrás do objetivo, e se hoje os filhos possuem uma boa condição financeira, em parte foi por causa do trabalho e das escolhas dele, que transformou um pequeno sítio numa fazenda, segundo eles. Mas era pessimista com o futuro deste país. Dizia que política era coisa de oportunistas e incompetentes, e que assim como o povo votava em péssimos políticos, se ferrava com as decisões ruins dos mesmos, simples assim. Falou que viria um presidente que nivelaria tudo por baixo, por escolha popular. Acho que esse presidente chegou."

"Não apenas chegou como também voltou, pois já nos desgovernou. A moça do Shopping Itália que me deu carona na manifestação do sete de setembro, me disse que ocorreu a vitória dos bárbaros, e se os cachorros daqui pudessem, fugiriam todos para o Paraguai, antes mesmo de janeiro chegar. Acho que para nós não seria uma má ideia cairmos fora também", e riu um pouco da piada tragicômica.

"Calma, rapaz. Estamos falando de gente que quer o poder mas não terá tanta competência para permanecer nele. Em 2016, a exaltadora da mandioca foi catapultada do Planalto. No início parecia algo improvável, mas o povo na rua tornou isso uma realidade. Já ouviu falar da vitória de Pirro? O arranjo que a companheirada está criando é muito precário, quero ver como vai ser quando começarem a subir os impostos. Sustentar tantos ministérios novos vai custar bastante dinheiro nosso, e daqueles que nos chamam de gado. Uma vitória frágil pode muito bem ser seguida de uma grande derrota, provocada por eles mesmos. E não estou sendo otimista, pois todos sofreremos com a crise que virá."

E a noite finalmente tinha chegado. O pai foi pra dentro de casa com a intenção de beliscar algo da geladeira, e o rapaz ficou pensando se trabalharia durante o feriado da então próxima terça, o aguardado dia 15 de novembro. Teria alguma boa surpresa? Só o então dia depois do amanhã lhe diria.





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MARCADORES: BRASIL, POLÍTICA NACIONAL, CONVERSA, CURITIBA, CAXIMBA, BARRA DO TURVO, PERUÍBE, CONTO LITERÁRIO, ANARCO-CAPITALISMO, LITERTARIANISMO, NOVEMBRO, 2022

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