Não me interesso por todas as polêmicas que pipocam pela cidade. Só escrevo ou posto vídeos sobre algo que chama a minha atenção, pelo qual me sinto de fato interessado. Este blogueiro/vlogueiro prefere focar na conjuntura, do que em qualquer acontecimento local, só por causa do mesmo atrair a atenção popular. E se a situação municipal ficar muito tensa, desço ao bunker e me refugio por lá, até a confusão passar, pois não sou o herói do pedaço, muito pelo contrário.
O século XX foi o das ilusões ideológicas radicais. Nele, três ideologias políticas revolucionárias, conhecidas como comunismo, fascismo e nazismo (versão alemã do fascismo), ganharam muitíssimos seguidores, e os resultado disso todos sabemos: o século 20 ficou conhecido como o mais sangrento da história terrestre. Por causa dessas ideias, vários milhões de pessoas morreram, lutando em nome delas, contra elas, e por causa das mesmas sendo infelizmente postas em prática. Num curto período histórico, que se iniciou com o naufrágio do Titanic (14 de abril de 1912), e se concluiu com a destruição das Torres Gêmeas (11 de setembro de 2001), vimos guerras cruéis, tiranias e genocídios, numa escala muito pior do que no século 19. Ideias podem ser perigosas, e essas que eu citei confirmam isso.
Quem lê o mangá Shingeki no Kyojin (Titã de ataque, em português), ou apenas assiste ao anime, sabe que a estória se passa em outro mundo, que se parece com o nosso, na formação dos continentes (que nele estão "ao contrário"), similaridades de fauna, flora, condições climáticas, e semelhanças étnicas e culturais com povos da Europa, Oriente médio, África e do extremo oriente (a nação Hizuru, do clâ Azumabito, é uma versão estilizada do Japão). Fica claro que autor usa o planeta onde se passa SNK para falar da história recente da nossa humanidade.
O Império Marley (que fica no que seria o nosso continente africano), o principal antagonista de Paradis (que corresponde a nossa ilha de Madagascar), é uma potência colonial militarista, que trata os eldianos que vivem no continente como uma minoria discriminada e odiada. Em Liberio eles moram numa "zona de internação", na qual o panorama urbano, vestuário das pessoas e o uso obrigatório de braçadeiras, faz lembrar o tristemente célebre gueto judaico de Varsóvia. E os problemas do povo eldiano não paravam por aí.
Grisha Yager só queria ver os dirigíveis com a irmã
Essa nação com tecnologia dieselpunk cobiçava os recursos naturais da ilha de Paradis, e também queria o "Titã Progenitor", pertencente à família real do povo de Ymir. Para alcançar esses dois objetivos, o governo marleyano enviou uma tropa cujo os membros possuíam quatro dos Titãs Primordiais. A estratégia era simples: destruir as muralhas (começando pela Maria), o que levaria ao genocídio (pois é) da população local (que seria trucidada por uma invasão massiva de titãs irracionais), e aproveitar o caos para conseguir o Progenitor. Os "demônios da ilha" seriam exterminados e Marley ficaria muito mais poderosa. Mas quem leu o mangá e viu o anime sabe que nem tudo saiu como o planejado.
Em qualquer guerra, o lado vencedor não é o mais forte, mas o que comete menos erros, e desde a queda de Shiganshina (quando a mãe do protagonista morreu de forma terrível, tornando-o vingativo e extremista), o "império do mal" errou bem mais. A maior consequência da desastrada "missão Paradis" foi o de incentivar o ódio anti-marleyano entre os eldianos da ilha (o quais ignoravam que a nação inimiga existia, pois suas memórias tinham sido apagadas), e provocar entre um povo atrasado, que só tinha as muralhas, a tropa de exploração e o Titã do Eren para se proteger, o surgimento de um discurso revolucionário, que defende o "extermínio contrário" - de todos os que não pertencem ao povo de Ymir - como a solução para a sobrevivência dos habitantes de Paradis.
A história da humanidade ensina muito bem, que o radicalismo, por mais que esteja baseado em alguma ideologia salvacionista que prega um mundo melhor, sempre alimenta um radicalismo contrário, o que fica bem claro ao analisarmos o século passado. Alguns exemplos: na Colômbia, a violência de guerrilhas comunistas como as FARC empurraram muitos colombianos para o exército, polícia e milícias com o propósito de combatê-las, e vice-versa, num ciclo de vingança (pois é) terrível; na Irlanda do Norte, as violentas ações de terroristas católicos do IRA (exército republicano irlandês), motivaram muitos protestantes a aderirem às milícias unionistas (pró-inglesas), as quais promoviam ataques igualmente violentos, também alimentando um ciclo de vingança; no nordeste brasileiro de umas décadas atrás, homens que odiavam os cangaceiros por motivos pessoais, se juntavam às volantes para se vingarem, e tinham os que entravam para o cangaço, justamente por causa da violência das volantes. A lista é grande, com o extremismo de um grupo incentivando um extremismo contrário, e cada lado se sentindo o "mocinho" e vendo ao outro como o "vilão". Em SNK, isso não está sendo diferente.
No recém-publicado capítulo 131 (spoiler adiante), o autor dá um exemplo do que pode resultar tanta polarização, através da ficção: a cidade marleyana de Liberio é arrasada pela marcha dos titãs colossais, controlados por um angustiado Eren. Dois garotos, irmãos e não-marleyanos, morrem de uma forma cruel. Misteriosamente, um deles vê um vulto que lembra a Ymir dos "caminhos". A tão esperada devastação começou, o ciclo de ódio tão bem-descrito na obra atingiu um novo nível, provavelmente o ápice.
A solução encontrada por Eren é terrível, e baseada numa transloucada lógica revolucionária, revelada aos amigos dele durante a famosa cena da praia: "se os inimigos forem todos mortos, seremos livres", assim como esses inimigos queriam que ele e seu povo fossem igualmente exterminados. Os radicais yageristas não possuem propriamente uma ideologia, mas uma doutrina, que "justifica" a eliminação física dos demais povos, com a desculpa de que só assim os eldianos da ilha poderão sobreviver. Trata-se de uma ideia gerada numa sociedade constantemente apavorada em sucumbir sob os ataques de monstros, acostumada a sofrer enormes perdas humanas, e que como é natural, não quer e nem pretende desaparecer (eutanásia? Até parece). A visão moderada de personagens como Armin não ganhou muito apoio, com estrangeiros os chamando de "demônios da ilha", e portanto, recusando qualquer diálogo. O resultado disso só poderia ser trágico, e está sendo.
Acredito que o famoso Isayama tem usado a obra não apenas para criticar o autoritarismo (apesar de muitos babacas problematizadores dizerem o contrário, o acusando de fascismo). Ele também questiona "soluções" radicais para os nossos problemas políticos e sociais. A devastação de Liberio, uma grande cidade cheia de vida (e habitada por muita gente inocente), é um horroroso efeito colateral do caminho revolucionário escolhido por Eren. Basta dizer que muitos dos genocídios ocorridos durante o século XX, como o Holocausto, Holodomor e o "Grande Salto Para Frente", foram provocados por militantes de ideologias revolucionárias. Também podemos ver referências à Hiroshima e ao grande bombardeio de Tóquio, ocorrido em março de 1945, e sem dúvida o pior ataque aéreo convencional feito contra o Japão, durante a segunda guerra mundial. Aliás, esses dois eventos só ocorreram por causa do militarismo japonês, que jogou o país num confronto mundial, durante o qual o mesmo se aliou à Alemanha nazista, com um resultado catastrófico. Preciso dizer mais alguma coisa?
Concluo este artigo afirmando que Shingeki no Kyojin / Ataque dos Titãs / Guerra aos Titãs, é uma obra que defende a liberdade como uma das grandes conquistas da civilização. Nessa distopia claramente apocalíptica, as ideologias revolucionárias que aqui mencionei, as quais mesmo que não diretamente citadas, são denunciadas como perigosas para a nossa tão sofrida humanidade.
O peruibense que faz o seu próprio caminho, consiste em alguém que ama esta cidade mas que evita se iludir com ela. Prefere manter-se afastado dos centros de poder. Busca sobreviver com algum trabalho que considera menos cansativo e estressante, mesmo que sem prestígio, na terra dos convencidos. Já foi um desempregado crônico, e sabe como é ser discriminado por isso. Caso seja um funcionário público (municipal, estadual ou federal), evita chamar a atenção, ou prefere (como este blogueiro) trabalhar num município vizinho. É cético quanto a um governo que possa realizar mudanças extraordinárias. Pouco se interessa por debates intermináveis sobre os problemas locais, e finalmente, se um dia revolver se mudar daqui, assim o fará, e sem olhar para trás, pois ele é o peruibense que faz o seu próprio caminho.
Nesta quinta-feira, tivemos um dia inteiro de chuva gelada em Peruíbe. Mas, onde quer que eu fosse no centro da cidade, não faltava gente e muito movimento, pessoas com suas máscaras, guarda-chuvas e afazeres. O povo peruibense vai se adaptando ao "novo normal", nesses tempos de pandemia é preciso se adaptar. Apesar de tudo, a vida tem de seguir, pois cada morador tem contas para pagar, trabalhos para fazer e bocas para alimentar. Numa tarde chuvosa, vi muita chuva, senti frio mas também percebi esperança no ar.
Morar em Peruíbe é difícil. Este lugar está longe de ser uma terra abençoada. Trata-se de uma sociedade disfuncional, que progride aos trancos e barrancos, com avanços e retrocessos. Mas ainda assim muitos peruibenses encontram em si mesmos, as razões para continuarem morando aqui, e prosseguirem lutando por ela.
"Quando comecei este blog, este peruibense pensava que o problema estava na política, mas minha visão era errada"
Bolsonaro está curado do coronavírus. Mais uma falsa polêmica alimentada por veículos de mídia e os lacradores de plantão acabou. Resta aguardar pela próxima chatice dessa turma que adora empilhar derrotas.