▼
domingo, 26 de abril de 2020
ELA SE PERGUNTOU: "ONDE VOCÊ ESTÁ?" (EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS) - ABRIL DE 2020
Era uma tarde de sábado fria e chuvosa em Peruíbe. Ela só saia de casa para atender a algumas urgências dos pais (pagamentos de contas, idas ao banco, remédios ...). As compras no supermercado vinham por entregas, com os pedidos sendo feitos pelo whatssap, e era a responsável em atender os entregadores. A loja da família estava fechada, e assim ficaria enquanto durasse a quarentena, e assim prosseguia a estranha rotina dela, um tanto entediante.
Alguns meses antes, quando a pandemia provocada pelo Covid-19 pareceria um roteiro maluco de filme catástrofe, a irmã mais velha, de uns 22 anos, se mudou para Curitiba, uma escolha em parte difícil, pois o namorado ficou na cidade. Ambos mantinham contato online, a relação parecia firme, apesar da distância, e do cenário assustador em que todos viviam. A mana esperava por um inverno rigoroso em 2020, o que possibilitaria neve na capital paranaense, que caso ocorresse, ela desejava assistir com a cara-metade, esperando que esse período estranho terminasse antes de julho chegar, para então se reencontrarem. "Que doida."- pensou. "Todo mundo querendo o fim disso, e ela torcendo por neve lá no sul, pra tirar foto com o namorado?" Mas admitiu que isso não deixava de ser algo para se quer futuramente. E foi quando se lembrou dele.
Tempos antes, o "sol" da praia dela também tinha se mudado da cidade, e agora vivia no distante oeste catarinense, trabalhando em um frigorífico. Não mantinham contato, pois ela, a filha do meio, que morava com os pais e o irmão mais novo (sempre em casa, por causa do recesso escolar) jamais tinha se declarado para o rapaz, e depois se arrependeu de tanta timidez e vergonha. Mas o amor prosseguia, algo tão grande, que às vezes parecia ser difícil de suportar.
Sim, se considerava uma romântica, talvez uma das últimas, na terra dos desesperançados. Sabia de como estava o amado através de uma prima dele, com a qual estudou, e que sempre a encorajou a falar do que sentia pro cara, e que um dia antes lhe disse, numa conversa pelo face: "Pô, aquele bocó ainda tá solteiro, num lugar cheio de mulher bonita, e você nessa? Se quiser, conversamos com ele agora!"
Mas ela não quis. Pelo menos, não naquele momento. Tinha medo de ser rejeitada, de que já estivesse encantado por alguma das beldades locais. E o frigorífico no qual trabalhava se mantinha em atividade, pois o abastecimento tinha de ser mantido, e considerando a situação do país, lá tinha o emprego garantido, ou seja, não existia a remota hipótese dele voltar. E para complicar, o sujeito sequer sabia o que ela sentia, simples assim.
Então, entediada e sem ter o que fazer, a moça foi para o quarto e deitou-se. Logo adormeceu, e teve um estranho sonho, o mais estranho do qual alguma vez recordou.
Viu a si mesma numa noite, caminhando pelas ruas do próprio bairro, que se encontrava deserto, sem viva alma. Não existiam pessoas, carros passando, barulho de cães, nada. Todo mundo tinha desaparecido, pois até as luzes das casas por onde passava estavam apagadas, só as lâmpadas dos postes permaneciam acesas. E quando chegou em casa, percebeu que ninguém estava lá.
Como as demais residências, a dela também estava às escuras. Nenhum sinal dos pais e do irmão, até o carro tinha sumido da garagem. E na calçada, apenas ela, a chuva fria e uma espantosa solidão.
Assustada, e sem se importar em se molhar, sentou-se ali mesmo e chorou, sentindo falta de todos: da família, dos amigos (e daquela amiga), dos vizinhos, e enfim, do homem que amava. "Onde você está?" - perguntou. Foi quando algo ainda mais estranho, naquele sonho inusitado, aconteceu.
Percebeu que a uma certa distância, alguma coisa se aproximava, vindo pela rua, em direção de onde estava. No princípio, parecia uma mancha escura,mas foi tomando a forma de uma pessoa. Logo, viu que era um homem, vestido com um moletom azul marinho, uma máscara negra, e um celular numa das mãos, no qual tocava uma música, que considerou bonita, embora desconhecida. Tinha pele clara, mais de quarenta anos, olhos verdes e um olhar severo. Sem entender, desconfiava que já o conhecia, e não se assustou com sua aproximação. O aguaceiro já tinha acabado, quando enfim ele parou, se mantendo a uma certa distância, comportamento típico daquela época.
Sua fala era curiosa, uma mistura do caiçarês peruibense (só que menos rápido) com palavras tipicamente paulistanas. "Moça, que tá fazendo aqui na rua, a esta hora? Se mora aí (apontou para a casa), vaza pra dentro!"
Ela sabia que o conhecia, embora não se recordasse de onde, e perguntou o que ele também fazia por ali. Respondeu que saiu de casa para "fazer uma exploração", e cansado do que via - e do que não via - estava retornando. Não esperava encontrar alguém, e insistiu para que entrasse. "Estão te esperando lá dentro, vá logo" - insistiu.
"Ninguém está aí, estou sozinha" - respondeu. "Todo mundo sumiu, só ficou eu e deus". E o tio replicou: "se tem deus no rolo, melhor pra você, né? Olha que teu povo tá te esperando".
E de fato, quando olhou, viu que a família estava lá. As luzes acesas, o carro no lugar de sempre, um barulho de TV vinha da sala, sentiu até um cheiro de comida, sem dúvida era mãe fazendo a janta. Observou a rua de novo, e percebeu que as casas próximas também estavam novamente ocupadas. As pessoas voltaram, tudo parecia normal, era como se o pior já tivesse passado, e a solidão dela também.
O homem concluiu a conversa lhe dizendo o óbvio, de que mesmo os tempos mais difíceis passavam, e o que ela até então suportou tinha chegado ao fim. Era o momento de recomeçar, seja na cidade em que estavam, ou em outro lugar. O que importava de fato, era ter um recomeço, e saber fazer as escolhas certas, algo que destacou. Então, se despediu e partiu, dizendo que morava numa rua próxima. Caminhou tranquilo, enquanto voltou a escutar uma bonita música pelo celular. Foi aí que se recordou, lembrou-se quem era ele. Diziam ser alguém "contra a cidade", meio louco, que escrevia coisas estranhas, mas que enfim tinha razão.
Quando foi abrir o portão para entrar, despertou na própria cama, e se levantou. Já tinha anoitecido, mas ainda era cedo. Viu que os pais estavam na sala, assistindo uma novela (reprisada, a emissora tinha interrompido as que estavam em produção). O irmão estava no quarto dele, escutando uma música, que lembrava a que tinha escutado no sonho (alguma relação?), e resolveu fazer a ESCOLHA CERTA, embora vergonhosa: naquela noite mesmo, após jantar, ligaria para a amiga, para fazer contato com o rapaz do qual não conseguia se esquecer. Antes mesmo da quarentena acabar, queria resolver essa questão, mesmo que tudo começasse com uma simples amizade online, por rede social. A esperança tinha voltado e não queria se arrepender. O importante era tentar, fazer o que considerava necessário, e não dando a mínima, se outras pessoas achassem que o esforço dela seria inútil.
E uma semana após o fim da quarentena, o rapaz viajou de ônibus, do oeste catarinense até Curitiba, e de lá seguiu pra Peruíbe, para visitar parentes ... e a "amiga", que reencontrou graças a iniciativa dela, pelo Facebook. Mais adiante, apesar da distância e de outras dificuldades, os dois se tornaram um casal, com planos para o futuro, e a chance de se fixarem numa terra longe daqui, o que apenas o tempo diria.
POSTAGEM RECOMENDADA: A "ÚLTIMA GAROTA" PERUIBENSE NO INVERNO CURITIBANO DE 2020 (FICÇÃO ROMÂNTICA FUTURISTA)
MARCADORES: PANDEMIA DE CORONAVÍRUS, COVID-19, PERUÍBE, PERUIBENSES, QUARENTENA, ISOLAMENTO SOCIAL, SONHO, CHUVA, FRIO, OUTONO, PASSEIO DO BLOGUEIRO (POIS É), ABRIL, 2020
Nenhum comentário:
Postar um comentário