segunda-feira, 18 de novembro de 2019

A "ÚLTIMA GAROTA" PERUIBENSE NO INVERNO CURITIBANO (CONTO) - NOVEMBRO DE 2019




Ainda era uma madrugada gelada, quando ela acordou por volta da cinco da manhã, na esperança de assistir ao que os meteorologistas diziam ser uma possibilidade: um amanhecer com neve em Curitiba, no inverno de 2020. 

Ela tinha se mudado para a capital paranaense no início do ano, tendo ido morar com um irmão. Sua cidade natal, localizada no litoral sul paulista, prosseguia estagnada, sem empregos e com os problemas de sempre, e um forte descontentamento popular. Alguns acreditavam que após as eleições, um novo ciclo de mudanças começaria, a mesma esperança que muitos tiveram em 2016, 2012 e mais para trás, mas a agora ex-moradora de Peruíbe ficou farta, cansada disso. Não estudou durante quatro anos numa faculdade em Santos para prosseguir desempregada, e cuidando das unhas de amigas, obtendo disso um ganho abaixo do necessário. Aceitou o convite do mano, e logo que terminou com um trabalho temporário que conseguiu numa loja, durante a última temporada de verão, embarcou num ônibus na rodoviária e foi-se embora rumo ao paraná.

Ao partir não deixou apenas os pais, com os quais até então morava. O namorado também ficou para trás, envolto em problemas familiares de difícil solução, além da crença dele de que, desta vez, "Peruíbe iria melhorar". Mas os dois não se separaram. Além de conversarem pelo whatsapp e por outros recursos virtuais, ele passou a visitá-la pelo menos uma vez por mês, em fins-de-semana, o que sempre foi de grande alegria pra ambos. Juntos foram conhecendo diversos pontos turísticos, diferentes Shoppings e sempre provando iguarias locais. Aos poucos, a jovem moça esperava convencer o amado de que poderiam ter um futuro melhor na capital paranaense, e que o apego dele, não pela família, mas por uma cidade tão problemática, não se justificava. E aos poucos, essa batalha foi sendo vencida por ela.

Normalmente, o rapaz se hospedava no mesmo hotel barato, sempre nas noites de sábado (chegava na cidade de manhã, e ia embora na tarde de domingo), onde se tornou um cliente habitual. Mas naquela ocasião foi diferente. Ficou dormindo no sofá da sala (sob a disfarçada vigilância do dono da casa), esperando pelo amanhecer, no qual acreditava-se que a neve viria. Como combinado com a namorada, também se levantou no mesmo horário, e se preparou, com as roupas adequadas, para enfrentar as baixas temperaturas lá de fora, onde uma fogueira já crepitava, acesa pelo irmão dela, o qual despertou ainda mais cedo, com a missão de acordar todo mundo se visse alguma neve caindo.

Quando a viu entrando na sala, se encantou com sua elegância, em como estava bem vestida, e mais bonita do que o habitual. "Parece uma curitibana", pensou. Mas faltava algo, de que até então tinha se esquecido: um cachecol vermelho, que comprou em segredo para presenteá-la, o qual  fez questão de colocar nela. A moça entendeu o significado daquele gesto, o que ele, fã de um certo anime, queria dizer com o mesmo. Compreendeu, agradeceu pelo presente, e foram juntos até o quintal da casa.

O frio era severo, a temperatura abaixo de zero, uns dias antes teve geada, mas agora existia a chance deles verem algo raro, num país predominantemente tropical. Alguns moradores do bairro ficaram de plantão, a noite toda, olhando pelas janelas, correndo o risco de se frustrarem, mas finalmente, pouco antes do sol nascer, aconteceu.

O casal se aquecia próximo da fogueira, quando a voz de uma criança ecoou na rua: "Mãe, está nevando, vem ver!" Eles olharam para o alto, e viram alguns poucos flocos se aproximando, bem discretos, como se fossem seres vivos tímidos, com cada um tendo noção da própria existência. Era bem diferente de filme americano em inverno rigoroso, Curitiba não corria risco de ser coberta por uma rigorosa nevasca, mas aquilo já lhes bastava, pois jamais tinham visto algo assim em suas vidas. E para ajudar, o céu lentamente clareava, era um novo amanhecer, o qual aos poucos iluminava uma gente que mesmo tremendo de frio, estava em quintais, varandas de edifícios e calçadas, comemorando aquele espetáculo, fazendo festa.


Enquanto ela gravava um vídeo, que mais tarde postaria numa rede social para os parentes distantes lá de peruba city, ele enfim entendeu, que os problemas familiares que tanto o apoquentavam prosseguiriam, mesmo que ficasse por lá, tentado resolvê-los. Seus esforços eram pífios, assim como em acreditar que após as eleições de 2020, "tudo seria diferente" na terra da eterna juventude. Não se tratava de pessimismo, mas de realismo. Ali ao lado, estava a "última garota", aquela com a qual queria partilhar uma vida em comum, e que naquele momento participava junto dele de algo tão belo. Foi então que teve a decisão.

Decidiu que também se mudaria, ainda naquele ano, para a terra do pinhão. Estava farto de conversas virtuais e visitas ocasionais, embora tivesse condições financeiras pra viajar (trabalhava na loja do pai, mas estava disposto a recomeçar do zero em Curitiba). Reconheceu o fato de que em algum momento futuro ela se cansaria disso, o relacionamento dos dois esfriaria e enfim se separariam. Quando, no lugar em que então morava, encontraria novamente alguém que o agradasse tanto quanto aquela bela mulher? O amor não é algo que se encontra em qualquer esquina, até ele, pouco experiente em relacionamentos, sabia disso. Lembrou-se de uma frase que lera num livro, não se recordava quando, de que "desistir a tempo é vencer", e viu que precisaria largar mão de certas questões, para prosseguir com apenas uma, que era a que de fato lhe interessava. O resto já não tinha a mesma importância de antes, simples assim.

Estava absorto nesses pensamentos, quando a namorada o chamou para uma selfie, dizendo "e a nossa foto, meu bem?", e isso num momento em que a neve caía com maior intensidade. Foi a imagem perfeita e memorável, com ambos abraçados, e flocos brancos caindo ao fundo, como se fossem figurantes de relevância. Poucos meses antes, em março, ele tinha feito trinta anos, e ela em breve comemoraria vinte e três. Então, após um alegre café da manhã, o rapaz lhe disse o que faria. A última garota não perdeu tempo: após os olhos brilharem e lacrimejarem de emoção, o puxou pela gola do casaco e o beijou, um longo beijo apaixonado que esse felizardo não esperava, tal como o primeiro que tiveram, por iniciativa dela também, durante um encontro dos dois, numa quente noite de verão, perto da praia, em um lugar que faz parte de uma terra distante.


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