terça-feira, 24 de julho de 2012

NOTAS DO TERROR EM DAMASCO




TRADUÇÃO: Isis Reis


Manar foi uma das poucas funcionárias que foi trabalhar na manhã do dia 18 de julho. O tráfego nas ruas de Damasco estava tranquilo, e as instituições estatais estavam abertas, mas meio esvaziadas de suas equipes. Manar trouxe seu cachorro ao trabalho porque estava com medo de não poder retornar para casa em segurança. Sua casa é em Mukhayam Al-Yarmouk, bem perto de onde os mais violentos confrontos entre o exército sírio e o FSA (Exército Livre da Síria, em tradução livre) foram presenciados, na noite anterior. Entretanto, ela me disse que estava certa de que a “crise” estava sob controle porque as forças do regime prometeram dar um fim aos combates e restaurar a paz na capital dentro de 48 horas. 

Manar é ferrenhamente a favor do regime e completamente convencida pela narrativa de conspiração do regime. Manar e outros como ela têm pouco interesse no aumento do número de vítimas e de civis presos; em sua visão, eles são todos partes de um plano terrorista estrangeiro. Alguns continuam a repetir o refrão que foi ouvido no começo da revolução: “Vamos tornar Der’aa um campo de batatas”, mas agora Der’aa foi substituída por Homs, Rastan e Hajjar al-Aswad, em Damasco. A lista continua. Para gente como Manar, protestantes nestas cidades e vilas têm menos valor do que uma batata suja. 

Mas o que aconteceu depois naquele dia não parece estar alinhado às expectativas de Manar. Os departamentos de Segurança Nacional tinham sido alvos na vizinhança de al-Rawda, no coração de Damasco. Notícias de que uma explosão tinha destruído completamente o prédio, matando pessoas chaves do círculo do presidente Bashar al-Assad estavam chegando. Os alvos tinham sido homens diretamente responsáveis pelos assassinatos e repressões perpetrados pelo regime sírio em seu povo durante as décadas recentes e ainda mais desde o começo da revolução na Síria. Abu Mu’az, um porta-voz do batalhão al-Sahaba do FSA, assumiu responsabilidade pelo ataque. 

Esta foi a segunda tentativa de assassinar membros desse círculo interior que na novilíngua orwelliana do regime de Ba’thist foi designada como ‘anāsar Idaret al-azimah’ [Os Elementos da Gestão de Crise]. A primeira tentativa aconteceu há dois meses, quando a comida preparada para eles durante uma de suas reuniões foi envenenada. Existem notícias conflitantes quanto ao sucesso dessa tentativa. Enquanto fontes não oficiais no FSA alegaram três mortes, com o restante em condições críticas recebendo tratamento no hospital presidencial Shami, a televisão oficial da Síria mostrou vídeos dos mesmos oficiais realizando suas tarefas cotidianas e negou que a tentativa tenha ocorrido. 

É interessante notar que a televisão estatal Síria, conhecida por distorcer fatos e negar a existência de um movimento massivo contra o regime sírio, foi, nesta ocasião, rápida o suficiente para espalhar as notícias do assassinato menos de uma hora depois de ele ter ocorrido. Tudo isso foi o mais surpreendente, dado que o ataque em al-Rawda é um golpe doloroso no regime sírio, que pode levar a um colapso na confiança de suas forças armadas e serviços de segurança. Isso tem alimentado conjecturas. Um sentimento cada vez mais presente entre alguns grupos de ativistas sírios é a sensação arrepiante de dúvida quanto à existência de uma conspiração orquestrada pelo regime sírio. Um olhar rápido pelas atualizações de status de sites de redes sociais utilizados pelos ativistas parece confirmar isso. 

Tudo isso é contrário ao que era esperado no início dos eventos do dia. Era esperado que a remoção dos escalões superiores do regime forçasse uma rápida retirada das forças regulares do exército e dos serviços de segurança de suas posições e criasse caos em seus postos. Em vez disso, testemunhamos uma demonstração de força do regime com uma escalada militar sem precedentes no coração de Damasco. Tanques começaram a andar em bairros densamente povoados na maioria das áreas da capital, enquanto helicópteros armados mancharam o brilhante céu azul.

 Um intenso ataque militar começou nas vizinhanças da capital nas primeiras horas de quinta, 19 de julho. O ataque foi mais pernicioso nas vizinhanças de Hajjar al-Aswad e al-Qaddam. Aviões de combate bombardearam a procissão funeral do mártir Abdul Rahim Samour em Sayyida Zainab, localizada na estrada do Aeroporto Internacional de Damasco, resultando em mais 100 pessoas mortas. Para aqueles que sobreviveram, não houve descanso, já que os confrontos continuaram e os morteiros choviam sobre eles. Alguns jovens que tinham sido vistos comemorando o ataque ao Gabinete de Segurança Nacional foram atacados no anel rodoviário no sul de Damasco. Seus corpos foram deixados jogados na beira da estrada. 

A comunidade internacional continua incapaz e sem vontade de chegar a uma posição unificada no Conselho de Segurança. Em vez disso, continua a propor iniciativas ilógicas e ineficazes. Enquanto isso, as ruas sírias continuam a contar os dias – e nós, ingenuamente, acreditávamos que seriam dias – para resolver este conflito que colheu as vidas de tantos sírios. Algumas pessoas nos postos da oposição continuam assustadas com o que vêem como elementos descontrolados da “marca” FSA. Por outro lado, os defensores do regime continuam a apoiar de forma esmagadora a brutalidade do Estado como meio para aniquilar a revolução. Para milhões de sírios comuns, o terror não tem fim. Estas são as manchetes da Síria.

Fonte: CANAL IBASE, texto traduzido do site OPEN DEMOCRACY


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